segunda-feira, 24 de agosto de 2009

GESTOS DE CADA LUGAR

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GESTOS DE CADA LUGAR
Marcos Quinan









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Para:
Marina Quinan,
Juliana Balsalobre,
Firula,
Rodrigo Luz ,
Frederico Galante
e
Cora-inha dos Boraris



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Fotografias: Rodrigo Luz
Texto Andanças: Frederico Galante
Músicas, parcerias com: Marco Antonio Quinan e Juliana Balsalobre



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Acompanhei passo a passo, desde os primeiros, a formação das duas. Acompanhei passo a passo os primeiros passos do Grupo Quintal e seus trabalhos individuais nos palcos, como arte-educadoras e contadoras de histórias, a carreira médica e todos os sonhos.

Cúmplice fui, da criação da dupla Las Cabaças (Bifi - Juliana Balsalobre e Quinan - Marina Quinan) e dos projetos Brasil na Cabaça e Brasil Adentro. Viagens cuja força da determinação delas comandou cada gesto que acompanhei de longe ajudando com o material e com o que mais podia.







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A primeira, pelo Nordeste e parte da Amazônia, foi no ano de 2006. Teve a participação da cadela Firula.
A segunda, no ano de 2008 e parte de 2009, fazendo o caminho inverso, andaram por toda a Amazônia e uma parte do Nordeste. Dela participaram, com o apoio do Doutores da Alegria, também o fotógrafo e cinegrafista Rodrigo Luz e o médico, escritor, músico e cinegrafista Frederico Galante e, no seu final, os besteirologistas Dr. Dedérson, Dra. Lola Brígida, Dr. Da Dúvida e Dr. Montanha

Do conhecimento bruto das suas narrativas e observações nasceu Gestos de Cada Lugar, um feixe de poemas escritos e publicados no blog Las Cabaças com o pseudônimo de Anônimo aqui enriquecidos com as fotografias de Rodrigo Luz, o texto Andanças de Frederico Galante e as músicas Mandacaru e Telelém em parceria com Marco Antonio Quinan e Caixeiras do Maranhão com Juliana Balsalobre.

Para melhor conhecerem os projetos Brasil na Cabaça e Brasil Adentro e os trabalhos de seus participantes acessem os endereços:

http://www.lascabacas.com.br/
http://www.doutoresdaalegria.org.br/
www.fotolog.net/rodrigofluz
http://fredericogalante.blogspot.com/



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MANDACARU
Marco Antonio Quinan / Marcos Quinan

Arranjos: Eudes Fraga e Sávio Deib
Sávio Deib: samples: piano elétrico – teclado – zabumba – pandeiro – triângulo - violoncelos – violinos – violas – pífanos - baixo acústico – pratos

Emocionalmente talvez Mandacaru de Marco Antonio Quinan, de quem sou parceiro, tenha nascido ao ver as imagens da primeira parada das duas no sertão baiano, palco da Guerra de Canudos.


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CAIXEIRAS DO MARANHÃO
Marcos Quinan / Juliana Balsalobre


Busca o mastro
Abre a tribuna
Vem tocar... vem tocar... vem...

Quem quiser
Pode rezar
Vem dançar... vem dançar... vem...

Com o som
Das nossas caixas
Convidamos pra louvar
O divino santo rei
Vem dançar... vem cantar... vem...

Derruba o mastro
Chegou a hora
Da tribuna se fechar
Para o ano de deus amém...
As caixeiras vão voltar
Para o ano de deus amém...
As caixeiras vão voltar


Arranjos: Eudes Fraga e Sávio Deib

Eudes Fraga: voz
Sávio Deib: samples: caixas – teclado – triângulo

No fim da primeira viagem, presenteado com um livro e vídeo pela Juliana, intuímos fazer as Caixeiras do Maranhão, baseado na sua vivência com as caixeiras no Maranhão, no que eu já conhecia dessa manifestação e no que li e assisti. Assim nos tornamos parceiros.







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TELELÉM
Marco Antonio Quinan / Marcos Quinan

o jabuti tá na porta / telelém... telelém...
o jabuti quer entrar / telelém... telelém...
se o lugar não comporta
não adianta chamar
o jabuti faz a volta
mora em todo lugar
telelém... telelém... telelém... telelém... telelém

o urubu tá na porta / telelém... telelém...
o urubu quer entrar / telelém... telelém...
se o lugar não comporta...
não adianta gritar
o urubu faz a volta
voa pra outro lugar
telelém... telelém... telelém... telelém... telelém

o peixe-boi tá na porta / telelém... telelém...
o peixe-boi quer entrar / telelém... telelém...
se o lugar não comporta
não adianta esbarrar
o peixe-boi faz a volta
nada pra outro lugar
telelém... telelém... telelém... telelém... telelém

o Brasil tá na porta / telelém, telelém...
o Brasil quer entrar / telelém, telelém...
é o seu povo que importa
não adianta esperar
olha bem a sua volta e põe o Brasil no lugar





telelém... telelém... telelém... telelém... telelém


Arranjos: Eudes Fraga e Sávio Deib

Eudes Fraga: voz
Sávio Deib: samples: pandeiros – violão de aço - violoncelos – violinos – violas – flautas - caixas – teclado – triângulo

Em janeiro de 2008 também com meu parceiro Marco Antonio Quinan fizemos especialmente para a dupla, o Telelém. Canção lúdica que permite trocar versos e significar gestos instigando o ouvinte a se perceber e perceber o em volta.










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“quantas palavras existem nesse imenso Brasil...
não as conhecíamos e nem elas nos conheciam...”

Las Cabaças













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Andanças


Quero dizer, sim, que foram estas andanças. De cerro mato, em torto de rio. Os encontros. Cada um é um, por certo, dizia minha comadre, que ainda diz, nos revelos, que as coisas são mais belas do que aparentam poder ser. Foi, que foi, nos meus sós. Cresceu tanto de modo terreno baldio antes de bosquear. Diz -se que a terra no onde a gente pisa tem forma de nos falar, basta ter ouvido. E que o rio do onde se bebe a água, traz a gente sempre de volta para o ele. Mas quando, que força desta monta eu mesmo senti, nos meus dentro e fora. Onde quando foi que, deitado, pensando em forma de desistir, senti, que prova é quem sabe olhar o fundo de um homem, a terra me abraçar e dizer "fique, meu filho, que aqui é lugar seu".




Entrementes, que bulia dizer algo de mim, forma era eu sabia não. Peguei do que conhecia, tendo passado por um demais dum vazio de ser. Qual o que um homem, que, dotado de sabedoria, decide é largar de tudo o que sabe para se preencher no novo. E foi assim. Só que o intento é danado, dói que ferra queimando, assusta e apavora. Qual um curuminzinho que ainda não sabe nadar e gente joga ele na água. Ai, que demora dum tanto em saber-se capaz! Passa por sufoco e alívio, no bater forte do coração, no pensar que vai morrer, no desespero, qual a beira dum cume bem alto, sem escora de apanhar e grito de socorrer.



Voltei a mim, modo como um homem, em broca de fome, vasculha terreno atrás de fruta e caça. Era deste tanto o caminho: vim de saída dum lugar belicoso, fumaçento, lotado de gente raivosa e dotada duma tristeza calada, crivada é mesmo lá nos recônditos da morada da alma. Em este lugar eu fazia morada, como que já não sabia mais quem morava dentro de quem, era eu nele ou ele em mim, visto que o modo de ser de um podia ser o modo de ser do outro. Em vista que, posso eu ter sido muitas vezes, eu mesmo, belicoso, fumaçento, lotado de gente. O me sentir neste lugar, eu mesmo conto: era que, de um modo meio nublado, meu coração doía era muito. Como o sumo de um homem se sentindo sozinho no meio de tanta gente!



Digo isto, sim, que o serviço de alguém nesta vida é achar o seu-caminho. Que quando as estradas estão prontas, de quem elas são? Os caminhos no onde eu morava, já eram picados. Quem tinha picado, eu não sabia não, e para onde ele queria ir, eu também não sabia. E, movido duma força, qual correnteza de rio, eu me movia nestas estradas, que não eram minhas e que me levavam para dentro delas, e eu parecia era estar sendo carregado e sem jeito de pôr os pés no chão.



Mas que, um dia, a vida tem seus modos, vi o olhar dum velho. Era de modo que ele tinha a vida nas mãos, que o mundo seu era dum tanto certo e nítido e apropriado, que até dono do tempo ele parecia que era. Os meus andares estavam por conta de construir estradas iguais a aquelas todas que eu via. Mas o olhar daquele velho me mostrou que ele tinha mesmo, de forma própria sua, criado um sereno jeito de se viver, forte como um terreno arado, semeado de tudo quanto é árvore e que resiste aos rasgos de água e seca que o céu faz o chão provar.



Sucede que eu meio que segui aquele velho. Segui sem tê-lo seguido, compreende? Nos meus pensamentos, cá de dentro. Primeiro segui foi era uma mulher, que fazia uma arte de um tal negócio de palhaça. Ai, que foi que vi dentro do olhar dela e da outra que também caminhava junta, que somando eram duas, e que também olhava igual, o mesmo jeito de caber no mundo. Mesmo jeito lá, daquele velho. E que as duas estavam eram caminhando dum jeito contrário do para onde eu ia. E elas me acenaram dizendo: vem com a gente! Fiz, que fui. Eu estava atrás do velho, como-que, era só dizer do sim.



Mas que, largar do tudo? Gente de próximo me diziam, como se fosse o acesso do insano, o dizer da bobéia, o azar do sem-juízo. Que eram olhares do fora, eu bem sabia, como do meu dentro não compreendiam. Quem era que sabia do velho? E da mulher-palhaça? E da minha dor de não caber naqueles caminhos? E quem sabia que os caminhos davam no sem-sentido? Sei que bem sabiam alguns com os quais eu convivia e que estavam eram contidos na brecha do tempo e desarrazoados do convívio, marcados por não serem compreendidos. Estes, digo-eu, mereciam vir comigo. Mas que, pelo não, sei que deixei um pouco de mim com eles.



Era bem que tinha começado, ou ainda não? Numa beira de estrada, esperamos um tal de um índio que nos levaria para o alto do rio, bem dentro da floresta. Esperamos cansados, três dias, em rede atada em cima de bosteiro, com os porcos cheirando e farejando rastro de gente e comida. Mas ficou do intento o sentido do tempo espichado, como o quê deveria ser de lugar como aquele, o velho me disse. A pequena aldeia, de tanta forma era grande, de se perder, com os jeitos deles de comerem, dormirem, falarem e amarem. Coisa de monta. Estas, que dariam livro. Em matéria de medicina, tinham o pajé e o sagrado de plantas do mato. Falavam com os mortos e limpavam o espírito das doenças, nas pajelanças. Tinha a uasca e o cambô. Tinha o canto que invadia o sono.



Foram mais muitas andanças. De entre quais, dos tantos feitos, se sabe ter registro, mas que mesmo eu deixo para quem quiser saber, procurar. O que de mim se faz saber, o velho me diz, é do crescido. Mesmo que o crescido do olhar. Mas que, sou o mesmo de ontem ou não. Quem me diz é quem me vê, não é como se diz? Sei que, de agora e do onde estou o mundo se passa no como eu vejo agora. Do passado, lembro pouco, vislumbros de desgosto. Mas que, no presente, não se tem permanências?



Se sabem, são poucos, do ofício que levo. Sou médico. Mas que, fui acrescido. Dum tanto de estas experiências com as mulheres-palhaça. Mas que, me transformei? Não sei mais, visto que, como eu disse, sei do que vejo agora. Sei dum tanto que me é pouco no sentido de compreender, mas tenho vontade de dizer. Mas que, digo: sinto é falta de ter não ter compromisso quando falo com alguém. Pois que, sempre preciso fazer alguma coisa, para motivo de acalentar. De tanto compromisso, me falta por tantas vezes é do natural, do vontadear. Posso eu não querer transcorrer prosa com fulano? Sei que, posso gostar pouco, mas digo menos ainda. Os modelos. De estradas já percorridas. Vou menos para o profundo. A prosa segue rasa, e vou tentando achar motivo de mergulho.



Não é que a gente, por vezes, perde a alma? Como se diz. Tem uns que vendem, pro dito. Quero também dizer mais coisa, a tempo. Tenho duas almas, como também soube de outro homem, e de outro e de outro - nem sei mais se todo mundo é assim! Mas, falo por mim. Uma delas, sei não, mais parece que vem como para proteger a outra. E esta alma é a que me veste para este negócio de médico. E a vila onde eu moro, conversa e lida é com esta alma. Ela é tal que tem jeito próprio de amar e desamar, de jeito de falar, dum modo assim meio letrado, sucinto e objetivo. Dum jeito meio sem-sentimento, que olha para as coisas mais de longe, que quer se afetar pouco pelas coisas. Dum jeito que fica assim meio de lado para as pessoas, pois sabe que, se deixar, "o pessoal monta em cima", como disse o caboclo.



Agora, tem a outra alma. Que dela digo pouco, pois que é ela quem vos fala agora. Sabe quem então me ouve. Ela mesma - essa alma -, que ouve o velho. Como que, não foi que vim até aqui? Casei com a mulher-palhaça. E vou ter uma filha com ela. Essa mesma alma que chora bem por dentro, abafada pela outra, em mais-de momentos. Chora às vezes à noite, escoando do travesseiro. Ela ri também, nuns tantos. E foi ela que acresceu, nestas andanças. Ela que-palhaça. O velho fala é com ela.



Essa alma faz modo de eu ficar aqui, agora, no sossego do mato, no encalço dos homens daqui, querendo ainda mais aprender. Como se faz a bajara, e se pesca de tarrafo. Como se trata desmentidura ou rasgadura. E como descer o caminho do rio.


Frederico Galante








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saber onde é o fim
aonde está o começo
contar para que vim
bater em seu endereço

saber, eu?
também não sei não...

olhei e vi no caminho
alguém andando pra lá
não vi lonjura em nada
então, junto, comecei a andar
espalhando as palavras
e os gestos de cada lugar

os rastros que fui recolhendo
pregados em cada estrada
me ensinaram que em si
continham toda jornada

o fim é como começo
quando se quer encontrar
o que não esta perdido
mas disposto no lugar

palavras nascem assim
aqui, ali e acolá
invertidas, misturadas
esperando quem pegar
bonitas, feias
cruéis ou poéticas
esperando quem usar
em cada profundidade
ou quando for precisar

conhecer, reconhecer
aprender nesse caminho real
no instante que é um disfarce
desse País irreal
mágico e sombrio
que faz rir e entristecer
quando vemos em outras maneiras
também formas de viver

ensaiar cada palavra
desse imenso Brasil
caminhar novas terras
se entrelaçando ao sutil
da vida de sua história
e de quem a construiu

de lavra
entrego as palavras que vocês encontraram
ou reencontraram
amazônicas, nordestinas, brasileiras
anônimas e amorosas
separadas ou misturadas
palavras com rios e pessoas dentro
com caminhos e transbordamentos
com imagens e belezas
fincadas em vidas anônimas
pelo Brasil adentro
erê! telelém...
telelém...
erê! menina Firula
erê! Frederico Galante
erê! Rodrigo Luz
telelém... telelém...

erê! Juliana Balsalobre
erê! Marina Quinan
telelém... telelém...

erê! telelém...

o jabuti tá na porta / telelém... telelém...
o jabuti quer entrar / telelém... telelém...
se o lugar não comporta
não adianta chamar
o jabuti faz a volta
mora em todo lugar
telelém... telelém... telelém... telelém... telelém

o urubu tá na porta / telelém... telelém...
o urubu quer entrar / telelém... telelém...
se o lugar não comporta...
não adianta gritar
o urubu faz a volta
voa pra outro lugar
telelém... telelém... telelém... telelém... telelém

o peixe-boi tá na porta / telelém... telelém...
o peixe-boi quer entrar / telelém... telelém...
se o lugar não comporta
não adianta esbarrar
o peixe-boi faz a volta
nada pra outro lugar
telelém... telelém... telelém... telelém... telelém

o Brasil tá na porta / telelém, telelém...
o Brasil quer entrar / telelém, telelém...
é o seu povo que importa
não adianta esperar
olha bem a sua volta e põe o Brasil no lugar





telelém... telelém... telelém... telelém... telelém


fevereiro de 2009



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Povo da Lua


Do alto da morraria
Acenam os encantados
Nas faces brilhando ouro
De muita beleza ornadas

Erê! Povo da Lua
De feições enluaradas
Conjuminando alegria
Com o fim dessa jornada

Telelém... Telelém...



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Frechal


Erê! Duzinha e Dona Jovina
Alegre fico também
Em rever duas rainhas
Que essa terra têm
Telelém... Telelém... Telelém...

Um pouco eu moro aqui
Um outro em todo lugar
Cada dia eu aprendo
Aonde posso chegar

Voltamos na valentia
De aqui poder estar
Sabendo da fidalguia
De amigos em cada lar

Erê! Zuada
Telelém... para Bié
Para Damásio, Jorge e Jonas
Erê! Aroca, Casarão
Feliz eu varro o chão
Duzinha acende o sorriso
Erê! Seu Inácio
Canga de bois
Pintura e Ouro Preto
Telelém... Telelém...


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Louvação


Louvo agora Lola Brígida
E a Dedérson também
Que vieram bem de longe
Pra cantar o Telelém...

Um louvo dou a Da Dúvida
Pra Montanha eu dou também
Que vieram bem de longe
Pra cantar o Telelém...

Erê! Mundo pequeno
A todos louvo também
O meu jeito de louvar
É cantar o Telelém...

Telelém... Telelém... Telelém...


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Somado não dá errado


Erê! Beco da Bosta
Lugar encantado
Onde novesfora é tudo
Somado não dá errado
Telelém... Telelém...

Se ouvir um cavaquinho
Seguindo um violão
Ou o canto de um menino
No dentro duma canção

Se escutar um clarinete
Com trompete duelando
Um pandeiro em surdina
Com um sax escutando

Ou a caixa conversando
Baixinho com a rabeca
Um sax dando palpites
Caxixi cozendo a beca

Pode ficar tranqüilo
E aproveite o encantado
Desta festa de alegria
Com amor por todo lado

Erê! Beco da Bosta
Benvindo louvado seja
Telelém... Telelém...
Bendito louvado seja
Telelém... Telelém... Telelém...



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O Santo e o Jumento


Erê! Telelém... Telelém...
Caixeiras do Maranhão
Encanto da fé que reza
Passando de mão em mão

“Busca o mastro / Abre a tribuna
Vem tocar... vem tocar... vem...
Quem quiser / Pode rezar
Vem dançar... vem dançar... vem...
Com o som / Das nossas caixas
Convidamos pra louvar / O divino santo rei
Vem dançar... vem cantar... vem...

Derruba o mastro / Chegou a hora
Da tribuna se fechar / Para o ano de deus amém...
As caixeiras vão voltar / Para o ano de deus amém...
As caixeiras vão voltar” (*)

Esculpi um santo a faca
E saímos para rezar
Recolher cada ajutótio
Trazendo pro meu altar
Imitando a vizinha
Que saia pra rogar

Entrei em uma casa
Esperei o ajutório
Enquanto esse meu santo
Na bandeja que era altar
Esperava na janela
O crente ir lá buscar

Quando veio um jumento
O santo abocanhar
Esculpido na mandioca
Tem gosto de se acabar
Depressa comeu o santo
Deixando só o altar

O dono da casa viu
E não teve entendimento
Onde já se tinha visto
Santo comido por jumento

Erê! Telelém... Telelém...


(*) Música: Caixeiras do Maranhão (Marcos Quinan / Juliana Balsalobre)



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Pai do Jocinho

Erê! Zé Mariano
Telelém... Festa de Cura
Quem carrega o seu dom
É saudado com mesura

Quenta tambor
Reza pra Santa Bárbara
Chama tambor
Protege o terreiro

Cruzados em xis
Mediante corpo
Guias, rosários
Paramentos

Pontos em dança
Encantados
Olhos de mundo
Vida na vida

Erê! Zé Mariano
Telelém... Tambor de Mina
Erê! Festa de Cura
Telelém... a nossa estima


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Cabaceiras


Rural é Coqueiro
Cabaceiras do Cedro
Águas do São Lucas
Telelém... Telelém...

Baias de São José
Sarnambi e Tubarão
Onde cada onda
Parece fingir de chão

Erê! Ilha do Gapó
Lugar de Boi Turino
E de outros encarnados
Dançando o Tambor de Mina

No alto que é arriba
O santo só quer morar
Na casa que se avista
O lado que tem o mar

Telelém... Telelém...



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São Luis


Erê! Beco da Bosta
Telelém... Mestre Assuero
Histórias de cada lugar
Com o Rosa de permeio
Telelém... Telelém...

Erê! Abriu a roda
Mandinga saiu do chão
No jogo de capoeira
Sou mais eu, meu irmão

Quebra gerêba
Apanha no chão
Punga mais um
Já sou seu irmão

Erê! Olhei pra ele
Chamou, joga mais eu
Foi quando eu percebi
Seu corpo rimar o meu

Erê! Beco da Bosta
Telelém... Mestre Assuero
Histórias de cada lugar
Com o Rosa de permeio
Telelém... Telelém...


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Telelém-açu...


Sonhei com um moreno
Galante foi como veio
Trazendo pra toda vida
A vida do nosso herdeiro

Acordamos nossa história
Que dormia no fecundo
Esperando pela hora
De juntar os nossos mundos


Telelém... Telelém...
Telelém... Telelém...
Telelém... Telelém...
Erê! Telelém-açu...
Telelém...



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Lanço


Perdi meu caminho
Chorei que vazou
Lembrei que sozinho
Eu sou quem eu sou

Pensei no passado
Telelém me achou
Cantou apressado
Mostrando onde estou

Erê! Telelém...
A solidão quis entrar
Telelém... Telelém...
Erê! Telelém...


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Círio de Nazaré


Telelém... Santa Rainha
Erê! Virgem de Nazaré
Protegei quem acompanha
Os preceitos de cada fé

Anônimo eu acompanho
A vida como ela é
Vivendo entre caminhos
Destinos de cada pé

Promessa de quem passou
Certeza de alcançar
Um pouco com cada dor
Depositada sobre o altar

Erê! Virgem de Nazaré
Telelém... Santa Rainha
Misturado ao profano
O sagrado se alinha


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Icoaraci


Erê! Telelém... Belém...
Belém... Telelém... Telelém...

O barro levamos daqui
Enfeitados em alguidar
Lembrando Icoaraci
Em cada lugar de chegar

Oferenda que fazemos
Na casa que hospedar
O pouco tamanho todo
Desse jeito de sonhar

Um mergulho no universo
Que existe em todo lugar
Por menor que aparente
O maior de se encontrar

Alegria em formosura
De saber onde pegar
O tanto de sabedoria
Existente em cada olhar

Erê! Telelém... Belém...
Belém... Telelém... Telelém...



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Vaqueiro Galante


Novena rezei agora
Selando cada palavra
No canto de ladainha
Com a fé da minha lavra

Erê! Vaqueiro galante
Mostre a sua fidalguia
E encante cada essa gente
Numa chula de valia

Erê! Vaqueiro galante
Venha em boa companhia
Do longe de seu retiro
Traga junto a encantaria

Se passar pelo Pesqueiro
Que já seja findo o dia
Entre as horas duma noite
Todo amor eu te daria

Telelém... Telelém...



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Maçariquinhos


Erê! Meu Marajó
Telelém... já sei voar
Ensinei como partir
Aprendi como chegar
No vento da igualdade
Que tem em cada lugar

Voaram os maçariquinhos
Da beira de um banhado
Mudando rumo do vento
Pros lados do espraiado

A vela soltou do mastro
Desatando de um lado
Desmanchando a direção
Do vento desencostado

Palavras gritaram a boca
Comandando a valentia
Que tem em cada medo
Nos medos de cada dia

Ao longe os maçariquinhos
Em vôo bem governado
Deixaram o vago do dia
No vento reordenado

Erê! Meu Marajó
Telelém... já sei voar
Ensinei como partir
Aprendi como chegar
Telelém... Telelém...



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Formiga de fogo


Erê! Formiga de fogo
Prazer te conhecer
A visita é cordial
O abraço é de doer
Telelém... telelém...

Sonhei quase dormindo
Sonhei quase acordado
Enquanto filas faziam
Para eu ser apresentado

Erê! Formiga de fogo
Prazer te conhecer
A visita é cordial
O abraço é de doer
Telelém... telelém...



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Barra Velha


Erê! Barra Velha
Telelém... telelém...
Delegado destranca a rua
Que nela quero passar
Pra trocar com alegria
O daqui com o de lá

Barra Velha apresente
Cada parte de rio e mar
Onde sei que sou chegado
Mesmo antes de chegar

Onde aponto o rumo e deixo
Qualquer vento me levar
Sem saber se vou depressa
Ou não saio do lugar

Telelém... telelém...



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Cachoeira do Arari


Erê! Estrada da terra
Balanço de rio e mar
Cercado sem cancela
Esperando quem chegar

Telelém... Vi o amor
Varar uma vida inteira
No canto de um menino
Semeando sua leira

Erê! Casa de fronte
Caroço de açaí
Quintais que água banha
Dalcídio sonhou aqui

Erê! Telelém...

“Você disse pra eu ir, minha mana
Eu fui num pé e voltei só
Nesse dia eu chacoalhei, minha mana
Chacoalhar, chacoalhei, chacoalhô
Ai como chacoalhô”




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Marajó

Erê! Telelém ... telelém...

Hoje eu vou pro Marajó
Levando amor de filha
Deixando meu coração
Vagando na travessia

Erê! Telelém ... telelém...

Camari me desembarca
Joanes me concilia
O som do sopro ao vento
Conforta a maresia

Erê! Telelém ... telelém...

Soure... minha infância
Salvaterra já vim aqui
Agora vá te conheço
Cachoeira do Arari

Erê! Caminho de terra
Poeira do Arari
Onde um lago é cachoeira
Destino de Jurandir

Telelém... telelém...


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Peixe Cari







Erê! Telelém... Telelém...
Reaja, refaça, reveja.
Telelém... Telelém...
Ressurja, retorne...
Telelém... Telelém...

Cambóia correu pro mato
Jacuraru levou um susto
Quem come peixe Cari
Volta que nem o Augusto

Cambóia voltou do mato
Jucuraru não levou susto
No dia que me lembrar
Eu volto a qualquer custo

Erê! Telelém... Telelém...
Repense, reflita, reaja
Se lembre e reapareça
Telelém... Telelém...



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Rede






Erê! Telelém... Telelém...

“Ata rede
Desata rede
Balança rede
Desembalança rede
Dorme rede
Acorda rede
Come rede
Fome rede
Palavra rede
Não palavra rede
Silêncio rede
Barulho rede
Navega rede
Desnavega rede
Joga a rede
Pega a rede
Ata a rede
Desata a rede”

Ju das Balsas chegou à porta
Uma rede pediu pra armar
Estava sem pensamento
E não entendia o lugar
Amarrou um lado no esteio
O outro na réstia do luar

Telelém... Telelém...



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Dona Maria


Erê! Telelém... Telelém...
Ju das Balsas cantou na porta
Telelém... Telelém... Telelém...

“E nós mergulha no um
E no outro, e no outro
E no um... riobeirinho...
Telelém... Telelém...”

Pelas mãos cheias de linhas
Dona Maria aparava meninos
Riobeirinhos... riobeirinhos...

Pelas mãos cheias de linhas
Dona Maria amparava meninos
Riobeirinhos... riobeirinhos...

Pelas mãos cheias de linhas
Dona Maria enterrava meninos
Riobeirinhos... riobeirinhos...

Linhas da mão... riobeirinhos
O meu olhar... riobeirinhos
Cheio de rio... riobeirinhos
Vai se afogar... riobeirinhos



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Arapiuns







Erê! Navego pra longe
Margens em todo luar
Minha infância foi num rio
Aprendendo navegar
Telelém... Telelém...

De dentro da minha canoa
Escuto cada lugar
Qual rio conta histórias
Que rio me faz chegar

O Amazonas é grande
Tapajós não faz desfeita
Arapiuns é acolhedor
Se espalha como colheita

Sou como esses rios
Não canso de navegar
Levo de um lado pra outro
Minha alma a balançar

E as rugas no meu rosto
São leitos secos da lida
Delatando minha paixão
Por cada gesto da vida

Erê! Telelém...
Minha infância foi num rio
Aprendendo navegar
Telelém... Telelém...



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Sai de viagem


Erê! Chegou, cheguei...
Aportou, aportei...
Voltou, voltei...
Pra ir, eu vim...
Não sei se sai ou cheguei...
Nem sei se parti...
Ou só arrodeei...
Telelém... Telelém...

Sai de viagem sem medo
Pureza da minha figura
Desejo meu pensamento
Rio que não tem largura

Um ladrão eu canto agora
Pra dizer de bem querer
Esperei cada minuto
De relógio pra te ver

Erê! Chegou, cheguei...
Aportou, aportei...
Pra vir até que durei...
Telelém... Telelém...



°°°


Santa de Luz


Erê! Santa da Luz
Vem aqui me abençoar
Ilumine os caminhos
Que ainda vou pisar
Telelém... Telelém...

Seu vestido não era rodado
Só nas mãos retinha luar
Parecendo um lume aceso
Pedindo um lugar no altar

Retirei minha vela depressa
E cedi seu lugar sem pensar
Para ver como era uma santa
Com a outra se encontrar

Erê! Santa da Luz
Vem aqui abençoar
Ilumine o caminho
Mostre a ela meu olhar
Telelém... Telelém...



°°°







Curiaú


Erê! Curiaú
Telelém... Dona Chiquinha
Cantamos o marabaixo
Nessa modesta quadrinha

Seu berço forrado de versos
Que no coração se aninha
Seu jeito cravado de gestos
Dançando como madrinha

Aqui viemos com pressa
Com a alma sabendo que vinha
Buscar um pouco de festa
E os passos de uma rainha

Erê! Curiaú
Telelém... Dona Chiquinha
Dançando o marabaixo
O espaço te adivinha

Erê! Curiaú
Telelém... Dona Chiquinha
Cantando o marabaixo
Sua voz não esta sozinha

Telelém... Telelém... Telelém...


°°°


Sacaca


Erê! Telelém... Telelém...
Pode ser sacacaçu
Ou então sacacarana
Seja qual for o nome
Que saiu de sua fama

Rama, musgo, uma casca
Ou raiz para um amargo
Infusão ou um emplasto
Pelos modos preparado

Sabedoria de Sacaca
Espalhada pelos lados
Vivendo da natureza
Pra todos serem curados

Legando de uma vida
Cujo bem foi reunido
Quem olhar no arredor
Vê que tudo tem sentido

Entendendo o que é açu
Entendo o que é arana
Telelém... eu canto aqui
Acendendo uma chama


°°°



Vila Progresso


Pinta o tempo em minhas mãos
Das tuas, me dê a loucura da dor
E assim, nossos olhos viram rios
Sem margens e cheios de amor

Telelém... Telelém... Telelém...


°°°



Arraiol


Erê! Banana trezentas
Escora pra agüentá
O peso de cada dúzia
Pesando pra despencá
Erê! Banana rabicha
Prata, Uçu, Amapá
Rabuda, urucuri
Gemendo o cacho dá

Telelém... Sigo vivendo
Aprendendo cada lugar
Arejando o caminho
Com o que vi e sei contar

Telelém... Se a maré é morta
Ou se ela está de lanço
É com o tamanho dos braços
Que escolho como avanço

Erê! Telelém... Telelém...



°°°


Bailique


Erê! As visagens moram
No mundo de todo lugar
Mas aqui no Bailique
Elas só vêm passear
Telelém... telelém...

Balanço de rede ouvindo
O vento a balançar
E o silêncio pedindo
Só um lugar pra ficar

Tantas dúvidas medindo
Qual resposta pesar
Nenhum olhar é furtivo
Quando se põe a falar

Nenhuma duvida resguarda
O sonho que viemos sonhar
Sem formato definitivo
Renascendo em cada lugar

Erê! A jornada bate
Na porta pra descansar
Telelém... Telelém...
Não se importe
Sabemos como ir e voltar
Telelém... Telelém...



°°°


Comandante do Ano


Ensina puxar mandioca
Gengibirra ensina fazer
Cantar ladainha de santo
Marabaixo tocar pra valer

E pede abrir a porta
Para o luar entrar
Enfeitando cada casa
Antes de a aurora chegar

Ensina rezar penitente
Sozinho ajoelhado
Na pedra trazida da África
Que mói qualquer pecado

E pede muita licença
Para aprender e ensinar
O amor por cada santo
Que vieram aqui parar

Erê! Comandante do Ano
Quem aprende pra ensinar
Mora na casa da gente
Mesmo se ela mudar de lugar
Telelém... telelém... telelém...



°°°


Rezei comigo


Rezei comigo
As minhas palavras
Livrei cada perigo
De cada um que gostava

Rezei comigo
As minhas palavras
Deixei sem abrigo
Cada magoa que levava

Rezei comigo
Sem meias palavras
Por tudo que queria
E meu coração mandava

Erê! Telelém...
O amor tá na porta
Deixa entrar que convém
Telelém... telelém...



°°°


Todas as Santas







Erê! Santa da Luz
Senhora da Piedade
Erê! Telelém vim rezar
Com todos dessa cidade

É festa, é alvorada
A noite acabou de passar
Inspirando cada bendito
E galantes sons pelo ar

Ladainha canto bonito
Jaculatório ouvi contar
Fogos brilhando nas mãos
Que também vieram tocar

Couro esquentando fogo
O sono já vai passar
Labada enfeitada de fitas
Pra tradição respeitar

Tabocas requebrando som
Esperando o café coar
Batuque ritmado no tom
Diante de cada altar

Erê! Telelém... telelém...
Galo canta, sinal do dia
Que se põe a clarear
Juntando canto com canto
Que aqui viemos prezar
Erê! Telelém...



°°°







Me bênça


Erê! Povo de longe
Tão perto veio chegar
Repicando suas caixas
Para encanto Amapá
Telelém... telelém...

Cochicho sem segredo
No senso da infância
Que o tempo entendido
Conservou como herança

Me bênça Maria Barriga
Apara e põe pra chorar
Me lança em águas do rio
Que têm o tamanho de mar

Me bênça Tia Dacina
Encanta e faz dançar
Me lança no tom da alegria
Que vibra no couro a rufar

Me bênça Olga Jacarandá
Ensina e faz sonhar
Com o que há mais bonito
Aqui e em cada lugar

Telelém... Maria Barriga
Telelém... Tia Dacina
Telelém... Olga Jacarandá
Me bênçam com suas vidas
Em pedaços entrelaçadas



°°°


Remédio de valor


Aningueiras formam várzeas
Nas margens do Beija-flor
Que leva meu pensamento
Pra onde esta o amor

Quintais de chão varrido
Sombras da minha infância
Passando pelos momentos
Lembrados nessa distância

Em cada verso que ouço
Nas conversas de varanda
Me dá saudade de filho
Sem o gosto de demanda

Te rio beija-flor
Te beijo meu amor
E curo cada dor
Com remédio de valor
Do meu jeito telelém...


°°°



Erê! Marabaixo de rua


Erê! Marabaixo de rua
Lá vem a caixa a rufar
Juntando os peregrinos
Nessa oração de cantar

Erê! Marabaixo de rua
Gengibirra pra alegrar
O dia que é do Divino
E da gente desse lugar

Erê! Marabaixo de rua
Um caldo pra sustentar
Essa casa sempre aberta
Pra dança que veio rezar

Erê! Marabaixo de rua
A porta já esta aberta
Dentro do meu coração
Já ergui o mastro da festa
Telelém... telelém...


°°°


Erê! Mazagão Velho







Passo do novo pro velho
No dia inteiro de chegar
Na festa que é do Divino
E o marabaixo vai contar

O telelém canto baixinho
Com intenção de rezar
Minha oração de folia
Que trouxe pra festejar

Aumento qualquer alegria
Que é nela que sei lutar
Sou como o santo Tiago
Que chega de todo lugar

Erê! Mutuacá
Feliz em sua jornada
Vim lavar nessas águas
Cansaço e pó de estrada
E trazer o meu caminho
Pra perto de sua braçada
Erê! Telelém... telelém...


°°°








Terra Tucujú


Erê! Terra Tucujú...
Erê! Clícia-Flor... Telelém...
Erê! Seu marido de amor...
Telelém...
Telelém...
Telelém...


°°°


Bebedouro


Gengibirra tomei na cuia
Bebendo um tantão de luar
Comi filhote na brasa
Desejo não sei disfarçar

Na orla tomando vento
Olhei e pensei quase mar
Soprando só alegria
Que vinha pra ensinar
A lidar com o bravio
Quando batuque eu dançar

Camarão cozido no bafo
Marabaixo já sei tocar
Formigueiro, ai deu saudade...
Da gente de cada lugar

Bebedouro me bebeu
Telelém cantei foi lá
Ritmado em Tucujú
Curiaú e ancestrais
Erê! Telelém... telelém...



°°°


Rede de água


Erê! Tomei açaí
Atei minha rede no ar
Dormindo foi que me vi
Navegando pra Macapá
Erê! Telelém... nessas águas
Que sonho tem pra sonhar
Que chuva leva meus olhos
Esperando a saudade passar
Erê! Telelém... adormece
Que a noite vai navegar
Em volta de cada silêncio
Que ela tem pra contar
Vai levando o Viajeiro
Na forma de balançar
No rio que vira rede
Enquanto caminha pro mar

Erê! Terra Tucujú
Telelém... amanhã vou chegar
Atracando em Santana
Com sonhos que aqui vim sonhar
Telelém... telelém...


°°°








Tucumã







Erê! Tucumã...
Só agora lhe vi
Inteira com meu olhar
Erê! Tucumã...
Acabei de chegar
Telelém... telelém...

A névoa se dissipando
Paradas aqui e acolá
As vilas como um rosário
Que é sina de rio juntar

Meu olhar pescador
Pesca troncos na água
Fisga aves no céu
E se enche de manhã

Meu gesto rema canoa
Tem medo, corre de onça
Esparrama o abraço
E suporta o adeus

Erê! Tucumã... Abaré...
Santarém... Aruã...
Saudade levo nos olhos
Lembranças de todo lugar
Telelém... telelém...


°°°


Rosivaldo


Erê! Telelém... telelém...
Erê! Meu amigo poeta
Que bom te reencontrar
Declamando teu verso
Declarando teu mundo
Desmanchando a pressa

Erê! Telelém... telelém...
Erê! Meu amigo poeta
Sonha bem fundo
E espeta essas águas
No teu sentimento

Mas reserve umas rimas
De dizer tua terra
De chamar alegria
De cantar esperança
De ficar telelém

Que entre idas e vindas
Viremos aqui cantar também
Telelém... telelém... telelém...



°°°


Cachoeira do Aruã


Telelém... Contei as pedras
Soalho de corredeiras
Onde meu corpo esfrega
Enquanto a água prateia

O dia amanhecendo
Navego no Abaré
Vim aqui de repente
Pouco sei sobre os Zoés

Vim aqui tão de repente
Vindo de outro lugar
Procurar o mais profundo
Que no simples mais está

Vim aqui tão de repente
Pra trocar com cada lugar
O que eu trouxe de longe
Com o que daqui levar

E voltar pro meu caminho
Telelém... telelém...
Saindo pra não deixar
De cantar o telelém
Nos lugares que passar



°°°


Alter do Chão


A água que risca bonito
Meia lua de areia
Numa terra sem rabisco
Erê! Alter do Chão...
Telelém... telelém...

Olhos de jacarés
Em breu de imensidão
Esturro de guariba
Gritando pra escuridão

Reconheço minha voz
No timbre de cada chão
Urutau canta escondido
Escondendo a direção

Meu sono é felicidade
Vigília no coração
Em volta de cada cheiro
Lua baixa deixa o clarão

E quando estou dormindo
Sou rio de mansidão
Na noite esparramada
No meio da cerração

Erê! Alter do Chão...
Palavra conta o que quer
Varando cada segundo
No canto que dança o sairé
Telelém... telelém...



°°°


Juro ti lembrar


Erê! Um galante na proa
Eu digo o que vim pra contar
Usando as palavras que ouvi
Telelém... juro ti lembrar
Telelém... telelém...

Balança gaiola de rio
Espera a rede dançar
Quem vem aqui é bem-vindo
Quando se faz respeitar
Se chega somente pedindo
Mulher, tabaco aluá
É certo que melhor é ir indo
Ser bem-vindo em outro lugar

Vim morar num piantã
Erê! Encontrei meu lugar
De cantar o telelém...
Na terra que vai para o mar
Telelém... telelém...



°°°


Força


Erê! Força que junta força
Espalhando quem for levar
Telelém bati na porta
Tenente deixou entrar
Telelém... Telelém...

Depressa passam as nuvens
Ao longe já vêm estrelas
O tempo gastou o tempo
Da minha visão de obreiro
Parece a cobra-grande
O rio que vi primeiro

O morro adormeceu
O Negro ficou pra trás
Urgência de cada imagem
Em se deixar onde está
Urgência do Solimões
Acenar pra quem passar

Palavras de brancas barbas
E a música de um piano
Idéias soltas no vento
Indo e vindo todo ano
Em cada encontro refaço
As cores que vim pintando

Telelém bati na porta
Tenente deixou entrar
Erê! Vamos voando
No rumo de onde chegar
Telelém... telelém...


°°°


Dia de São João


Vela desce o rio
Ilumina quem ficar
Mesmo sendo só um fio
O Negro vai te levar
Telelém... Telelém...

Varro a vila e a vida
No dia de São João
De todos que aprendi
É santo de devoção

Acendo cada pavio
No dia de São João
Pra luminar o caminho
De andar em procissão

Mãos dadas ao destino
Dispensando a solidão
Ando com o meu vizinho
Sentindo que sou irmão

Vela desce o rio
Ilumina quem ficar
Mesmo sendo só um fio
O Negro vai te levar
Telelém... Telelém...



°°°


Meu pensamento

Erê! Paricatuba...
Serra Baixa, Taracuá...
Erê! Eu vim de longe
Pra lá que vou voltar
Telelém... Telelém...

Sozinho o mundo gira
Sozinha eu quero estar
E olhar em cada volta
Sozinha com meu olhar

De ontem tenho saudade
De hoje eu já cansei
Vou logo pro amanhã
Pra ver o que acharei

Pimenta que não arde
Só serve pra temperar
O mundo é envolvente
Descende de cada olhar

Escondi meu pensamento
Numa estrela pra te dar
Quando olho o firmamento
Contigo eu quero estar

Erê! Paricatuba...
Serra Baixa, Taracuá...
Erê! Eu vim de longe
Pra lá que vou voltar
Telelém... Telelém...


°°°


Lugar de tocar


Toco em porta de igreja
Em adro e casarão
Lugar que tiver vazio
E merecer atenção

Canto até pelo caminho
Misturando a direção
O riso jogo no vento
Da vida tiro o refrão

Boraró me viu no mato
Quis ouvir o meu cantar
Eu cantei o telelém
Ele riu de se mijar

Erê! Paricatuba...
Serra Baixa, Taracuá...
Boraró já me pediu
Que lhe ensine a cantar
Erê! Telelém... Telelém...
Erê! Telelém... Telelém...



°°°


Santo Juscelino


Canto, dança, jogo e festa...
Vou tomar o caxiri
E olhar por cada fresta
O Brasil que tem aqui

A onça quer sua carne
O padre cobiça o queijo
Soldado quer um pedaço
Tukano ri do que vejo

O mundo feito de gente
Taracuá. Erê! Telelém...
De gente de todo lugar
Telelém... Telelém...

Juscelino foi o santo
Mais bonito que eu já vi
De fora duma igreja
O Brasil todinho ali
Telelém... foi lá por longe
Telelém... foi lá que eu vi



°°°


Rio Negro






São Miguel, Tukano,
Arwake, Maku...
Erê! Negro descendo...
Erê! telelém... telelém...

Água limpa da fonte
Caminhando no tempo
Encurtando caminhos
Semeando o momento

Água velha e forte
Atravessando histórias
Ressoando silêncios
Passando memórias

Erê! Negro descendo...
Erê! telelém... telelém...
São Miguel, Tukano,
Arwake, Maku...
Erê! telelém... telelém...



°°°


Canto de chegada


Erê! Pari-Cachoeira, Içana,
Iauaretê, Taracuá e Piraquara
Telelém... Já cheguei...
Lá do fundo de lá

Na festa vim pra somar
Com a alegria daqui
A que trouxe de outro lugar

Vim procurar o futuro
Jogando pra semear
Os modos que apuro
Em cada lugar que passar

Nos gestos de aqui lembrar
O nome que se esqueceu
É jeito de encontrar
Um riso que não morreu



°°°



Navegar

Oportunei do momento...
São Miguel, telelém...
Uaupés, Tiquié,
Içana, Xié... Erê Rio Negro...

Balancei mareado
Aprendi navegar
Nas águas distantes
Camanaus, telelém...
Telelém... vou pra lá

Gavião risca olhos
No espelho do rio
Corre mata, corre céu
Brilha um resto de sol

São Miguel telelém...
Uaupés, Tiquié,
Içana, Xié... Erê rio Negro...
Ensinando chegar
Telelém... telelém...


°°°


Demanda


Telelém... Telelém... Telelém...
Erê... terra Katukina...
Telelém... Telelém...

Ajuda peço aos senhores
No jeito triste e cansado
Com que sinto tantas coisas
Chegando de todo lado

No rosto estampo a tinta
Que é meu jeito de rezar
Se resistência dá a vida
Disso não vou reclamar

Como as samaumeiras
Cujas raízes se abraçam
Sou fincado nessa terra
Onde os rios me enlaçam

Muito não sei responder
Nem sei tanto de mim
Se veio me conhecer
Não me abandone assim

Telelém... Telelém... Telelém...
Erê... terra Katukina...
Telelém... Telelém...


°°°


Piun


Erê! Piun... Telelém...
Erê... terra Katukina...
Telelém... Telelém... Telelém...

De dia espanto piun
E brinco pra aprender
No simples de cada vida
O jeito que quero ser

Fazendo igual papel
No dia que vive no dia
Em riso que é coletivo
E combina em harmonia

Forjando, treinando o corpo
Brincando de conhecer
Aonde o gesto termina
Aonde ele pode nascer

Erê! Piun... Telelém...
Erê... terra Katukina...
Telelém... Telelém... Telelém...



°°°


Meruin


Erê! Meruin... Telelém...
Erê... terra Katukina...
Telelém... Telelém... Telelém...

Coço meruin...
Aprendo a cantar
Com o sapo canoeiro
Que vive lá no lugar

Coço meruin...
Aprendo responder
Isso não é não
Isso também não é

Cato katukin...
Descubro que é simples
A vida só tem a vida
Para a morte encontrar

Erê! Katukin... Telelém...
Erê... Telelém... Telelém... Telelém...



°°°


Telelém do Jaboti


Shawe kepotaí, telelém, telelém.
Shawe hiko pai’ iki, telelém, telelém.
Shawe shava yamá
Kena iyama’ i
Ahawe repikiyãna’ i
Ahava keyos rakata’ i
Telelém, telelém, telelém,
Telelém, telelém.

Brasil kepo taí, telelém, telelém.
Brasil hiko pai’ i’ ki, telelém, telelém.
Noke shava yamá
Manata iyama’ i
Repi noshõ oikoiwê
Brasil shavapá rakawê
Telelém, telelém, telelém,
Telelém, telelém...



°°°


Kuxti


Erê! Kuxti... Telelém...
Erê... terra Katukina...
Telelém... Telelém... Telelém...

Kupixawa pra se encontrarem
Vivendo no mesmo dia
Dormindo na mesma noite
Sagrada no que recria

Mariri canto que dança
Por dentro de cada um
Enquanto o corpo balança
Em cada gesto comum

Caiçuma é pra alegrar
O espírito do lamento
E fazê-lo ressoar
Em volta de um momento

Kambô tira panema
Kuxti sopra rapé
Canta forte como a mata
Espantando o que quiser

Erê! Kuxti... Telelém...
Erê... terra Katukina...
Telelém... Telelém... Telelém...


°°°



Kanarô

Oitchô... terra Katukina...
“Kanarô Txerê Tete
Atxa Noma Noma
Atxa Noma Noma” (*)
Telelém... Telelém... Telelém...

Apegada com a mata
E na força pelo corpo
O olhar frágil transpunha
Recortando cada oco

O afeto que nunca teve
Não veio de um desgosto
Faz parte de sua vida
Repartida em cada rosto

Prepara o de comer
Agradece saber meu nome
Já sabe o que sei fazer
Desvendado meu sobrenome

“Kanarô Txerê Tete
Atxa Noma Noma
Atxa Noma Noma” (*)
Telelém... Telelém... Telelém...


(*) Passarinho mostra seu canto e sai voando, voando... (música do Mariri)


°°°



Entro na cena


Erê... Minha Parceira...
Erê... terra Katukina...
Telelém... Telelém... Telelém...

Pra comer tem macaxeira
Caça miúda e peixe assado
Sem hora é que é a hora
A fome não tem legado

Pra brincar entro na cena
Desfaço qualquer perigo
O mundo esta no mundo
É nele que me abrigo

É nele que canto a vida
Pequena em seu sentido
É nele que invento o jeito
De rindo querer partido

Erê... Minha Parceira...
Erê... terra Katukina...
Telelém... Telelém... Telelém...








°°°


Meu olhar


Erê... Digo o que digo...
Erê... terra Katukina...
Telelém... Telelém... Telelém...

Digo por aqui... digo por lá
Meu rumo é o lugar
Um dia sei de partir
No outro sei de chegar

Meu olhar se fragmenta
Ensaiando pra contar
O que vi em cada parte
Escolhendo meu olhar

Levo comigo o tanto
Que não deixei por lá
Para ir se sobrepondo
Em todo lugar que vá

Erê... Digo o que digo...
Erê... terra Katukina...
Telelém... Telelém... Telelém...


°°°



Oitchô...


Erê... terra Katukina...
Xankõ... Pássaro Ajudador...
Oitchô... terra Katukina...
Telelém... Telelém... Telelém...

Oitchô... Empresta-me teu riso
Rindo do que é miúdo
Mostra talo que vira folha
E ramo se abrindo ao mundo

Deixa-me banhar no rio
Pescar de rede, comer raiz
Imitar o teu silêncio
Ao ouvir o que me diz

Mostra-me se convivi
E mora no teu olhar
O triste que tem aqui
Que teimo em reparar

Ensina-me a ficar quieto
E não ter no que pensar
Esquecer os meus desejos
Para essa vida me desejar

Kaitchô...
Eu vim por aqui
Kaitchô...
Eu passo por lá
Kaitchô...
Eu levo daqui
E deixo aonde passar



°°°


Sonho pra perguntar


Erê... terra Katukina...
Xankõ... Pássaro Ajudador...
Erê... terra Katukina...
Telelém... Telelém... Telelém...

Sublimo o teu afeto
E sonho pra perguntar
Onde está o ser completo
Que vivo a procurar

Onde esta o invisível
Visível em teu olhar
Que o sumo da natureza
Arvora-se purificar

Forma nova todo dia
No passado viverá
Desenhando universo
Pra qualquer um que virá

Erê... terra Katukina...
Sonho pra perguntar
Aonde a vida termina
Se o sonho não acabar

Erê telelém... telelém...
Xankõ... Pássaro Ajudador...
Telelém... telelém... telelém...



°°°



Céu de Mapiá


Telelém...
Tempo do Rio de Ouro
Céu do Mapiá
Fundado na terra Purus
Onde o Acre vem desaguar

No lugar que passando eu vim
Pra contar e ouvir alegria
Aonde todos ali são por todos
Plantando e colhendo valia

E no Céu Mapiá, telelém...
Rezando com a natureza
Erê telelém fui canoa
Na cheia que dá flutuo
Na copa que quer voar
Nas mãos tive o terçado
E um céu... que é o Céu de Mapiá

Telelém...
Sebastião que é padrinho
Na memória vive pra reforçar
Que o natural é sagrado
E cura sem nada cobrar

Telelém...
Madrinha Rita
Eu vim, acabei de chegar
Trazendo alegria na fita
E o mundo sem governar
Zelo é a flor da saudade
No gesto que quero te dar

Meu riso bate na porta
Do Céu do Mapiá
E o coração vai roubando
O amor que tem no lugar
Meu improviso imita
Tudo o que quero cantar



°°°


Assim se escreve a história…


Telelém... igapó Quimiã
Erê... igarapé Quinã

Uma história me achou
Fingindo que era eu
Foi Valdete quem contou
E Padrinho prometeu
Que um dia até Oswaldo
Saberia o nome meu
Vindo de tantas lonjuras
Pra ser vizinho do seu

Erê, telelém igapó Quimiã
Erê, igarapé Quinã



°°°


Cora-inha



O Cruzeiro do Norte
Na ponta de cada estrela
Desenha réstias no caminho
Esperando só para vê-la

A lua espalha as nuvens
Traz brilho pra espiar
Pela janela do quintal
Tão cheia como um olhar

O vento bem de mansinho
Não sai lá do portão
Inquieto como menino
Curioso como irmão

E o sol se prepara
Em muitos tons de cores
Para proteger seu dia
De todos os temores

O rio corre festeiro
Vindo de tanto lugar
Para entregar suas beiras
Presente de quando chegar

A canoa se finca na água
Dia e noite a esperar
O tempo que não é longe
Quando fores navegar

Mocorongos acendem fogo
Enfeitam-se de fidalguias
Um coro de Boraris
Ensaiam as cantorias

Cora, Cora-inha
Corazinha do Tapajós
Cora, Cora-inha
Corazinha dos Boraris
Cora, Cora-inha
Da Terra do Chão
Cora, Corazinha
No fundo desse Brasil
Lugar de seu coração






Erê! Telelém... Telelém...






FIM